domingo, 15 de julho de 2007

Parabéns, Gaultier!

"São muitos anos de criatividade inesgotável e bem humorada. Se os Deuses do Olimpo quisessem coroar o ser humano que melhor sabe divertir-se, escolheria Jean-Paul Gaultier, o designer de todas as ousadias e actos heróicos. Trinta anos depois, continua a encantar. E nós encantados por ele. Absolutamente."
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"Para Gaultier tudo é possível. Tem o mundo da Moda na mão. A sua festa dos 30 anos foi uma das mais badaladas de Paris na semana da Moda, em Outubro (do ano passado). Todos queriam um convite para ir ao Olympia e corriam mil boatos a propósito (o mais eficaz dizia que Madonna viria cantar para ele). É sabido que Gaultier é um excelente anfitrião. É um entertainer, um showman, um conquistador que arrasta o mundo inteiro para a festa. Depois, reúne qualidades únicas. É um criativo genial e brilhante - com muito de enfant, apesar dos seus 54 anos (nasceu a 24 de Abril de 1952) e ainda muito de terrible, porque certas coisas nunca mudam - é um coração grande que adora a individualidade, mas também a diferença - a sua Moda tem um quê de fraternal - e é um visionário com sentido de oportunidade. E de humor. Em todos os momentos conseguiu antecipar uma nova era e pôr o dedo nas feridas de uma maneira destemida, mas sempre brincalhona. Ele diz o que quer e nunca ninguém se zanga. E não é só por ter muita da razão, mas porque é um bom homem. Um homem bom."
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"Jean-Paul Gaultier é, de facto, um dos maiores visionários da Moda. O designer de todas as ousadias. Nem uma edição inteira da Vogue dava para contar as tropelias que fez com os conceitos de Beleza. Já em pequeno, desenhava mulheres e vestidos imaginários em plena aula. A sua primeira subversão. Depois de fazer escola na Casa Pierre Cardin e na Casa Jean Patou, fundou a sua própria marca em 1976 e desenhou a sua primeira colecção feminina."
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"Em 1983, foi catapultado para a fama ao desenhar o seu vestido-corpete pontiagudo (no mesmo ano em que desenha a primeira colecção de homem) e ao adaptar o conceito ao corpo da artista mais amada e odiada do seu tempo: Madonna, na Blond Ambition Tour, de 1990. O corpete simbolizava as amarras da Beleza, que exigem um corpo perfeito, mas também a força das formas femininas, uma armadura de sensualidade e poder. E Madonna foi a mulher certa para o usar na altura certa. Também ela começava a dizer coisas de que o mundo nunca tinha ouvido falar. A partir daqui, ele, tal como ela, faria a história quebrar barreiras, a começar pela dos sexos, o tabu mais bem guardado de sempre. Em 1985, criou um guarda-roupa para os "dois", e fez furor com os seus homens de saias (patrocinou a exposição Bravehearts, Men in Skirts, um sucesso no Museu Metropolitan de Nova Iorque) e as suas mulheres "masculinas". Uma transversalidade sexual que se tornou uma imagem de marca. Em 2003, Gaultier arrasou ao lançar a primeira colecção de maquilhagem para homem, tout beau tout propre, e um ano depois, levou para a passerelle da sua colecção para homem um tema polémico e chamou-lhe Casamento Homosexual. Este ano viu nascer a primeira linha Gaultier2, básicos do guarda-roupa masculino apresentados por mulheres e por homens, assim como um perfume homónimo, também unisexo."
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"Há quem diga que já não faz sentido chamar-lhe terrible, porque muito do que Gaultier desbravou, hoje, é um adquirido, mas as suas propostas arrojadas surgiram nas passerelles como tornados, cujos ventos ciclónicos ainda ecoam. Todos guardamos imagens das suas colecções Rock Stars, de 1987, e ainda mais da Piercings e Tatuagens, de 1994 ou a recente Glamrock, para o Outono/Inverno de 2004/2005. Imagens no limite do bom gosto, fortes, contundentes, arrasadoras."
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"Em 1994, fez sucesso a sua colecção Les Mongols e quando se aventurou pela Alta-Costura, em 2002, sonhou com um Inverno hussardo. A sua Primavera/Verão de 2004 homenageou Les Rousses e a sua couture inspirou-se nos Les Samurais e, no ano seguinte, nos ciganos (Inverno 2004/05). A sua Alta-Costura para este Outono/Inverno chamava-se Ucrânia e para a Primavera, lembrou-se da Grécia Antiga. Uma volta ao mundo com um perfeito respeito e curiosidade pelo diferente. Sublimando o diferente. Gaultier é um inconformado, por isso detesta belezas óbvias. Os seus modelos são disso exemplo: altos, baixos, gordos, magros, essencialmente imperfeitos, a individualidade e o carisma é que contam. Por isso, tem uma sensibilidade especial para as chamadas minorias e dedica colecções inteiras mostrando-as esplendorosas. Veja-se a colecção Rabbins Chics, dedicada aos judeus, de 1993; Black Beauties, de 1997, uma homenagem ao black is beautiful, que ele depois retoma na Alta-Costura África, para a Primavera/Verão de 2005. Numa colecção de 1999, comemorou a chegada do novo milénio com uma piscadela de olho à beleza única da mestiçagem e fez desfilar casais de raças diferentes."
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"Se trouxe a Moda à terra, também a levou para o outro extremo, o sonho. è o seu lado enfant que se rende à fantasia. A colecção Les Parisiennes, de 2000,foi uma entrada com o pé direito no novo ano e uma das suas melhores homenagens à magia de Paris. Três anos passados, desenhou O Inferno e o Paraíso, "diabólico como Michel Polnareff,romântico, como Marylin Manson", descreveu e transformou o sexy em pueril, na colecção Mulheres-Crianças. Também já falou em marionetas e, neste Outono/Inverno, de casas assombradas em criações aristocráticas de cores empoeiradas. Ele mistura pureza com malícia como só as crianças conseguem. Bem a propósito, é dele o guarda-roupa do filme A Cidade das Crianças Perdidas, de Marc Caro e Jean-Pierre Jeunet, de 1995, e de O Quinto Elemento, de Luc Besson. A sua estreia na grande tela, a grande máquina dos sonhos, fez-se com o filme O Cozinheiro, o Ladrão, a Mulher e o Amante, de Peter Greenaway, em 1989. Depois desenhou a roupa de Catherine Deneuve para As Ligações Perigosas, de Josée Dayan, em 2002, mas são mais conhecidas as suas colaborações com Pedro Almodóvar em Kika, de 1994, e em Má Educação, de 2004. Dois idealistas juntos."
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"Antes disso, Gaultier já bebera intensidade nas Artes Plásticas. Numa das suas primeiras colecções, de 1983, homenageou o dadaísmo (onde fez o seu primeiro corpete) e, em 86, o construtivismo russo. Nas colecções Frida Kahlo e Novos Existencialistas, ambas em 1998, continuou a sua incursão punjente pela sensorialidade da Arte, até se render, em 2002, à leveza dos mobiles de Calder em Appled'Air Merci Calder, roupas suspensas por fios de metal. Gaultier já experimentou mesmo as suas próprias exposições, sendo a mais curiosa Pain Couture, criações de Moda feitas em pão, que esteve, em meados de 2004, na Fundação Cartier para a Arte Contemporânea, em Paris, quer para Pinocchio (de Karole Armitage, em 1998) como para o flamenco de Mi Soledad, de Joaquin Cortés, desde Março deste ano."
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"Não fazendo coisas de mais, Gaultier faz muitas coisas. E ele assume, embora não pareça que vá desacelerar. Além do carrocel das suas colecções de Moda (também de jeans, peles, acessórios, bijutaria, perfumes...), ainda aceitou a direcção criativa da tradicional Casa Hermès, em 2003, e deu-lhe um twist irresistível."
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"...Jean-Paul Gaultier, que quis, um dia, mudar o mundo e conseguiu."
toda a informação retirada de:
Vogue Portugal nº 50 Dezembro 2006

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