domingo, 1 de julho de 2007

Os novos "inquilinos" do Bairro Alto

Jovens comerciantes apostam no mercado alternativo numa zona tradicional de Lisboa

O comércio alternativo do “velhinho” Bairro Alto é, cada vez mais, um chamariz para turistas e alfacinhas. Um local especialmente conhecido pelo seu movimento nocturno alberga, durante o dia, uma enorme diversidade de visitantes atraídos pelas novas ofertas desta zona da cidade. O Bairro Alto tornou-se num ponto de encontro diurno para muitas pessoas que procuram os produtos e os serviços que as “novas” lojas começaram a oferecer há cerca de dois anos.
Joana, funcionária da sapataria “Happy Days”, na Rua do Norte, confessa que a abertura simultânea de uma série de lojas neste local não foi uma acção concertada, tratando-se, sim, de uma coincidência que adveio “da necessidade de recuperar a alegria desta zona tradicional e de disponibilizar produtos alternativos a uma população que procura novas ideias”. Numa pequena sala decorada a papel de parede verde com cornucópias, a fazer lembrar as casas do início do século XX, os sapatos encontram-se espalhados pelos móveis de madeira maciça, pelos sofás e pelo piano, que oferece mais um toque de requinte à sapataria: “apostámos nesta decoração porque queríamos que a nossa loja tivesse um espírito de sala de estar, onde as pessoas se possam sentir confortáveis”, explica a funcionária. Todos os pares de sapatos em exposição apresentam um estilo e características muito próprios, com cores, texturas, feitios e apliques muito variados a fazer lembrar as modas dos idos anos 60 e 70. “O nosso objectivo é ser diferente, queremos demarcar-nos das sapatarias habituais”, diz Joana.
Com o mesmo intuito, surgiu a “Hold Me”, uma loja de acessórios que se distingue pelo seu conceito de decoração: uma vez que é sempre difícil encontrar uma forma eficaz de expor malas, a arquitecta concebeu a loja como um talho. As paredes, forradas a azulejos verde-água, suportam os ganchos que, ao invés de agarrarem peças de carne, expõem as malas e os restantes acessórios. A loja, uma antiga mercearia, foi completamente reformulada e restaurada para este efeito: da actividade anterior apenas restou uma arca com montra frigorífica onde, agora, repousam gorros e cachecóis de malha para este Inverno. Alexandra, gerente da loja há quase ano e meio, garante que este conceito tem sido um sucesso, já que “as pessoas olham, acham graça e entram”.
O conceito de lojas e cadeias como a Zara e a Bershka, que produzem muito para muitos, tem vindo a ser substituído por uma vontade de usar produtos diferentes e, acima de tudo, diferenciadores: “Lisboa já estava a precisar de um sítio destes, onde as pessoas possam encontrar coisas muito personalizadas: já não aguento ver toda a gente vestida de igual”, declara Patrícia Chagas, 23 anos, cliente assídua da “Hold Me”.
Esta parece ser uma ideia comum a grande parte da população portuguesa. Segundo Miguel Tomé, funcionário em part-time na “El Dorado”, mas mais conhecido pela sua profissão nocturna como DJ Noking, “aqui vêm todo o tipo de pessoas, de todas as classes sociais, de todas as idades e de todos os estilos”. Esta loja, especializada em roupa e LPs, já existe há mais de vinte de anos, mas, há cerca de dois, adoptou um conceito mais alternativo, procurando oferecer a todos os clientes um serviço personalizado: «as pessoas que cá vêm gostam de ver coisas diferentes: enquanto a mulher vê a roupa, o marido procura a secção dos discos”. Mas, por vezes, são muitas as pessoas que entram e poucas as que levam alguma coisa: “paga-se a diferença, o estilo alternativo das roupas e LPs muito antigos e difíceis de encontrar. Mas este é um problema da quase totalidade das lojas do Bairro Alto”, garante o DJ profissional, que acredita que este emprego provisório o pode ajudar na sua carreira profissional.
Quando os miúdos vão ao Bairro Alto, na Rua do Norte, mesmo em frente ao “El Dorado”, encontra-se a improvável “No Kid Ding”, uma loja de roupa infantil. Marta Ambi, gerente, considera “que esta loja se enquadra perfeitamente no espírito do Bairro Alto”, garante a gerente e, para além disso, “não existia nenhuma loja deste género em todo o Bairro Alto”. De facto, as roupas espalhadas pelo estabelecimento, com as suas cores fortes e cortes alternativos, oferecem um novo conceito à roupa destinada a bebés e a crianças de tenra idade. O trunfo desta loja passa pelo cabeleireiro para crianças, embora este serviço esteja actualmente interrompido: a um canto da sala, vários cavalinhos de pau servem de cadeiras, onde os miúdos se podem sentar e ganhar um novo corte de cabelo. “O visual desta loja é muito atraente: as pessoas que vêm a este estabelecimento comercial têm todo o tipo de idades e gostam muito do ambiente”.
Parece ser característica de todas as lojas acolherem este “melting pot” de culturas e de idades. Até no sítio mais improvável, na pequena “Can Shop”, a única loja em Portugal que se dedica exclusivamente à venda de material próprio para as pinturas e assinaturas de rua, “apareceu um velhinha de quase 80 anos que tinha ouvido dizer que aqui se vendem canetas que pintam em todas as superfícies. Queria escrever numa placa ‘vende-se casa’ e o seu número de telefone”, recorda sorridente Hugo Crespo, 21 anos. Sentados no sofá a jogar playstation, enquanto a clientela não chega, Hugo e o seu sócio José Geraldes defendem: “este espaço tem tudo a ver com o bairro. É um sítio alternativo, na moda. Muitas pessoas que fazem graffitis param aqui no bairro”. As enchentes começam ao final da tarde, quando a “malta” sai das aulas e procura as latas de 2.50 euros para poder pintar à noite. “A maior parte do pessoal que cá vem é do graffiti, mas entram sempre outras pessoas. Ainda ontem veio cá um pai com o puto de 10 anos: queria começar a ensiná-lo a grafitar”, conta Hugo. A moda dos graffitis ganhou novo impulso com a série “Morangos com Açúcar” que tem levado à “Can Shop” um novo tipo de clientela: são cada vez mais a “miúdas betinhas” que procuram este tipo de tintas. “Desvirtuam o conceito e o mundo do graffitis, mas pelo menos dá para aumentar o negócio”, declara José Geraldes, 21 anos. Com preços muito convidativos, não há necessidade de publicitar a loja. Quem procura a “Can Shop” tem de subir e descer várias vezes a Rua da Rosa, até encontrar a porta do n.º 80, que não possui qualquer tipo de indicação. Apesar de já terem pensado em colocar a sinalização devida, os dois sócios garantem que não precisam disso: “a publicidade passa de boca em boca. A loja só abriu há 4 meses, mas toda a gente sabe mais ou menos onde fica”.
À saída do n.º 80, duas jovens aperaltadas sobem a Rua da Rosa. De cabelos pintados e franjas curtas, soltam risos e comentam o “ar estiloso” de um dos cabeleireiros do “Facto Cabeleireiro”, ali na esquina. Ângela tem 21 anos e uma grande vontade de mudar o seu visual: “estava farta de ver sempre o meu cabelo da mesma maneira. Numa noite vim sair ao Bairro Alto e reparei neste salão. Achei que era diferente”. O tal cabeleireiro “estiloso” chama-se Marco Rodrigues e é ele quem faz as honras da casa: “os donos são ingleses e abriram este salão com o intuito de mudar um pouco o bairro e de transpor algo da Inglaterra para os lisboetas, torná-los mais fashion”. Aqui, os cortes e as cores são diferentes dos normais e o atendimento é personalizado. Geralmente as pessoas já têm uma ideia do que vão fazer: o papel dos cabeleireiros passa, sobretudo, por adaptar as ideias dos clientes àquilo que mais os favorece. O salão, pequeno demais para o número de pessoas que nele trabalha e que o frequenta, recebe todo o tipo de clientes: “desde miúdos com 14, 15 anos até senhoras finas já com uma certa idade. Temos muitos clientes habituais, inclusivamente pessoas que nem vivem em Portugal e que vêm cá de propósito. Aqui, neste salão e neste bairro, conhece-se o mundo”.
Texto de Ana Taborda e Joana Madeira Pereira

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